Olho pela janela após ter escutado a palavra sul ser proferida por algum colega; o céu, antes nublado, apresentava uma coloração meio avermelhada. Pensei, então, no que era ou não real, em toda aquela coisa. Aquelas imagens, representações que eu e os colegas tínhamos em mente sobre conceitos como espaço, tempo, cultura, política. Terminou a aula, mas a idéia sobre o sul, real ou não, persistia.
Em casa, frente ao computador, descarregando algumas fotos, sobre coisas variadas, surgiu como num lampejo a conexão entre algumas fotografias e o real ou não do sul discutido em aula. Aí, foi quase que instantâneo. Era só “ligar os pontos”.
A arte, a fusão de imagens, estava feita. Tinha eu conseguido juntar imagens como: uma flor e seus pedaços, uma pilha de lenha, reproduzir a coloração do céu avermelhado ao findar da tarde. Todavia, faltava alguma coisa.
A música, algo constante em minhas preferências e convívios, me trouxe a resposta capaz de preencher a lacuna para a arte que então estava criando. Lembrei do sul, mas musicalmente em minha cabeça ele soava como sur. Foi fácil. Ponho tocar Richard Galliano, sua versão apenas instrumental, me remetia ao original, e mentalmente eu cantava: “Vuelvo al Sur, como se vuelve siempre al amor, vuelvo a vos, con mi deseo, con mi temor. Llevo el Sur, como un destino del corazon, soy del Sur, como los aires del bandoneon. Sueño el Sur, inmensa luna, cielo al reves, busco el Sur, el tiempo abierto, y su despues”. Acho que assim estava configurada a expressão do que pra mim, naquela época, representava e estava o sul. Era um sul criado na música do argentino Astor Piazzolla, cantada pelo também argentino Roberto Goyeneche.
A conexão, os pontos eram ligados mais uma vez, se estabelecendo numa forma plural, regional e global ao mesmo tempo. A provocação e estranhamento proveniente de um debate num espaço acadêmico do interior do Rio Grande do Sul, a música interpretada por acordeonista franco-italiano – originalmente criada e executada por argentinos –, acabou me gerando a idéia que desembocou no SUR REAL.
Agora, contente fico ao ver que a idéia se faz presente na proposta sonoro-estética de uma banda SURreal. Eis a união, pode-se dizer, do global, do regional e do brasileiro. Jazz, mpb e influências diversas. As artes se comunicam.
Cleber Nelson Dalbosco – inquieto-publicitário-designer; criador da peça gráfica que inspirou o nome do grupo.